O Papel da Técnica e das Emoções nos Investimentos

Os mercados financeiros são provavelmente um dos ambientes mais darwinianos da vida moderna. Poucos sobrevivem para tirar algo dele, muitos pagam a conta. Para se juntar aos investidores/traders consistentes é necessário ter ou desenvolver competência técnica, equilíbrio emocional e paciência. (Nesse artigo; os termos “investidor” e “trader” serão usados como sinônimos, visto que não há uma linha consensual que separa um do outro; sendo em última instância uma questão de opinião.)

Esses sobreviventes sabem o que querem, tem planos e executam suas táticas sem medo (ou apesar dele).

Compreender os aspectos técnicos do mercado e desenhar um plano são função de horas de esforço. E os aspectos emocionais? Gerenciar as próprias emoções para executar o plano? Todas as estatísticas mostram que a maioria esmagadora perde… mesmo os que sabem o que deveria ser feito tecnicamente acabam sucumbindo as próprias emoções e se afastam dos planos iniciais. Medo, ganância e esperança.

É bom que seja dessa forma, nem todos podem ganhar, e os prejuízos dos menos hábeis; pagam a conta dos mais aptos. Os perdedores alimentam o mercado, os ganhadores se alimentam dele.

Uma frase recorrente entre traders consistentes que utilizam análise gráfica (técnica) é algo do tipo:

– “O gráfico é fácil, difícil é gerenciar as emoções.”

Aprender a ler candlesticks (gráfico de velas), usar e traçar linhas de tendência de alta e baixa (LTAs e LTBs), analisar volume de negociações, compreender ao menos os indicadores técnicos mais usados (IFR -índice de força relativa, MACD, médias móveis etc), pontos de suporte, resistência, consolidação e rompimentos … entre outros recursos. Essa é a parte fácil. 

Algumas horas de dedicação lendo, assistindo vídeos, consumindo cursos, praticando nos gráficos com exercícios, testando sistemas e hipóteses e em algumas semanas de estudo intenso começa-se a ver coisas que não se via antes. Padrões começam a emergir, e finalmente parece haver algum sentido na miríade de cores, formas e linhas. Caso o investidor persista; nasce confiança nas próprias estimativas, “previsões” e sistemas testados. E então surge uma das primeiras barreiras; a confiança na análise técnica e a negligência sobre o que não se sabe. Mistura perigosa, responsável por tirar muitos potenciais bons investidores dos mercados.

Alguns investidores preferem outra abordagem; análise fundamentalista, ou mesmo combinam ambas. Análise Fundamentalista enfatiza elementos “por trás” da mera flutuação dos preços. Indicadores contábeis de ações, protocolos de computação usados por criptomoedas, presença no mercado, lucros e prejuízos acumulados, “market caps” (capitalização de mercado; estimativa do valor de mercado) e claro a comparação de todos esses indicadores entre ativos similares; buscam identificar quais ativos estão subvalorizados, com preço justo ou supervalorizados. Isso orienta decisões de compra e venda de ativos.

O gráfico é fácil, ou melhor; fica fácil com estudo e dedicação. Análise Fundamental também é “estudável”. Os traders consistentes, que ainda estão no mercado, mesmo após derrotas, sabem disso. E quanto aos aspectos emocionais? Como se treina isso?

Podemos identificar três fases no aprendizado de um investidor; ignorância, estudo e autoconhecimento.

Ignorância

Fase do otimismo, ganância e ousadia. Não sabe que não sabe. Entra contando com a alta e inspirado pelo sucesso “fácil” de outros. Cedo ou tarde a fase acaba. Muitos abandonam o mercado machucados para não voltar mais, porém, aquele que teve algum resultado positivo, que ganhou antes de perder, vivenciou sensações sublimes que raramente se esquece. Já sabe que é possível e quer mais. 

Estudo

Acredita e sabe que é possível, se puder evitar os prejuízos e maximizar os lucros. Faz cursos, estuda, se dedica, lê livros, elabora e testa sistemas. Em algum ponto percebe que não há técnica infalível, e que os prejuízos são causados mais pelas faltas de discernimento temporárias e questões emocionais. Percebe que nunca poderá dominar o mercado, mas podem dominar a si mesmos (ao menos em certa extensão). Começa a próxima fase;

Autoconhecimento

Agora foi desfeita a ilusão do “indicador, sistema, sinal perfeito”. O investidor já sabe que conhecimento técnico e estudo são ingredientes básicos, porém não suficientes para o sucesso. Aqueles que chegaram até aqui descobriram o inimigo: suas próprias falhas. Começa (ou continua) a jornada pelo autoconhecimento. Mesmo que não seja por preferência, entende a necessidade.

    “Não operamos o mercado, operamos as crenças que temos a respeito dele.”

                                                                                                           – Dr. Van K. Tharp, autor do                                                  excelente livro “Trade your way to                                           financial freedom”.

Aspectos, Ferramentas e Táticas de Autoconhecimento nos Investimentos

Matemática

Ao iniciar no mundo dos investimentos, pode parecer que ser um gênio da matemática, ou ao menos “ser bom” em matemática é um pré-requisito para sucesso. Não é. A menos que considere um mínimo de desenvoltura nas quatro operações, regra de três e porcentagem como “ser bom em matemática”. Matemática pode ajudar muito e ser essencial em alguns casos; como para especialistas nos derivativos financeiros chamados “opções de compra/venda” ¹. Esse seres comumente utilizam o modelo Black & Scholes no seu dia a dia (tão sofisticado que rendeu um prêmio nobel em economia por oferecer um modelo de precificação de opções), mesmo que seja com ajuda de uma planilha eletrônica. Entretanto esse é muito mais um exemplo de exceção que confirma a regra; matemática sofisticada não é necessária para ter grande sucesso e consistência nos mercados em geral, como criptoativos, bolsa de valores e forex. Matemática do oitavo ano do ensino médio é suficiente. O “crux” do sucesso passa pelo domínio (ou influência) sobre as próprias emoções.

    [ ¹ Aos interessados nesse tema recomendo o excelente livro “Investindo em Opções” de Maurício Hissa, vulgo Bastter. Editora Elsevier.]

Gerenciamento de Risco

Todos os traders consistentes entendem esse aspecto, e sabem de sua relação com os valores de suas contas (essa parte é fácil, pois se chegou até aqui o trader já tem a mente calibrada para percentuais e estatística básica; mesmo que não saiba que sabe) e suas emoções. Mas o que é risco? É difícil gerenciar algo que não se sabe o que é. Risco é diferente de probabilidade, embora sejam conceitos relacionados. Probabilidade é algo objetivo. Risco é subjetivo. A probabilidade de levar um tiro na cabeça “jogando” uma rodada de roleta russa é baixa (1/6 ; menos de 17%); o risco é enorme. Para quem gosta da vida, claro. Pois a vida é algo muito valioso para a média das pessoas. Jogar roleta russa com um revólver de brinquedo valendo um prêmio de R$ 1000 para quem acertar a própria cabeça tem a mesma possibilidade de “acerto”, porém o risco é positivo; se não acertar; nada acontece; se acertar ganha R$ 1000. Risco é difícil de avaliar, dependem de nossos conhecimentos e habilidades, mas não somente deles. Emoções e instintos distorcem nossa percepção.

Medo

Temos o viés cognitivo de identificar o risco pelo sentimento de medo. Se esse fosse um bom indicador, um motoboy de São Paulo não deveria ter medo de viajar de avião, e um poupador pouco sofisticado não teria medo de fazer investimentos em ações sólidas na bolsa de valores, enquanto deixa seu dinheiro suado no banco, para ser corroído pela inflação, dormindo bem com isso.

Uma forma mais eficiente de avaliar risco é pensar em probabilidades e consequências, ou seja, a combinação da probabilidade de algo acontecer e consequência que ocorrerá caso aconteça. Pensar em todas as possibilidades possíveis; não nas mais aparentemente prováveis; baseadas em nossos medos, otimismo, ou aquilo por que nem mesmo sabemos. Por exemplo; para um piloto de asa delta a possibilidade de voar sob ventos mortais em determinada geografia em um dia de sol pode ser “pequena”, mas a consequência fatal. Logo, o risco aqui é “grande” e muito relevante. Agora; voar com um iniciante e aterrissar na praia pode representar uma “grande” possibilidade de um pouso malfeito, mas as consequências (se ralar na areia) são pequenas, e o risco também será.

Otimismo

No mercado é igual; um investidor iniciante calcula que a possibilidade do Bitcoin cair é “muito pequena” pois tem “acompanhado” os preços a algumas semanas e eles “só sobem”. Ah, seu primo trocou de carro, pois comprou Bitcoins (ao menos, é o que o primo afirma). Mas como colocou todo o dinheiro que tinha economizado por anos em uma compra apenas, em determinada data e preço…

depois de três dias de queda no preço e dores resultantes de um princípio de úlcera que o atacava sempre que ficava “muito nervoso”; decidiu vender seus Bitcoins com 30% de prejuízo.

Nesse caso o risco foi alto (arriscou e perdeu grande parte das economias que exigiram muito tempo e esforço). Ao fazer a fatídica compra a percepção foi inicialmente distorcida pelo otimismo, somado ao já famoso fenômeno FOMO (Fear of missing out; “medo de ficar de fora”) instigado pelo exemplo de sucesso do primo.

Ele “calculou” que o “risco era pequeno”, ignorando que as consequências de um erro poderiam ser grandes. Além disso, desconhecia o tweet do Elon Musk (se é que isso tenha sido uma motivação para o mercado despencar, mas isso não importa muito nesse exemplo) e também que uma coisa dessas poderia derrubar o mercado dessa forma. Independentemente do mercado de criptoativos ter sofrido uma grande queda por causa de alguns tweets ou não, isso é absolutamente secundário, a questão é que existem elementos alheios ás possibilidades de conhecimento e informação do investidor. Sempre existirão. O trader de nosso exemplo também desconhecia que seu medo seria tão facilmente ativado, ao perder 5,10,30% de suas economias no espaço de algumas horas; ficou “muito nervoso”; desconhecia a si mesmo. Ele não sabia que não sabia. Pagou por seu desconhecimento … caro.

Mercado, Ações, Opções, Trades, Criptoativos e Vício

Negociar pode viciar. Skinner explica (B.F. Skinner foi um expoente da Psicologia Comportamental, deixou inúmeras contribuições para se compreender as dinâmicas comportamentais de animais. Entre eles; pombos e seres humanos). Ao estudar condicionamento, encontrou um tipo peculiar que chamou de “reforço variável”. Essencialmente, ele trancou pombos em caixas e premiou com comida certos comportamentos. No começo, premiou cada vez que bicavam no lugar certo e chamou isso de “reforço contínuo”, sendo os resultados expressivos; os pombos aprendem rápido. Ao parar de dar comida, os pombos aprenderam a não bicar mais. Depois, premiou as bicadas com uma taxa variável e deu comida intermitentemente, em média a cada X bicadas ou Z segundos. Chamou isso de “reforço variável” e se surpreendeu ao observar que essa premiação variável reforçou o comportamento dos animais com a mesma eficiência da premiação contínua. E ainda os pombos premiados de forma intermitente (taxa variável) bicaram mais e mais rápido que os premiados com taxas contínuas. Quando a comida foi retirada, e as bicadas não proporcionavam mais comida; os pombos condicionados por estímulos variáveis continuaram bicando por mais tempo! Enfrentaram dificuldade em desaprender. 

Seres humanos são muito parecidos com pombos nesse aspecto. É exatamente a mesma dinâmica; o jogador recebe prêmios a cada X apostas, o trader recebe prêmios a cada X operações… o princípio do vício. Pense nos bingos, nas indústrias milionárias dos jogos de azar ao redor de todo mundo, em Las Vegas, nas “maquininhas” de apostas ilegais do Brasil. Grandes empresas desenvolvem e pesquisam esses “algoritmos”, buscando identificar quais taxas de variação são mais propensas a “estimular” os usuários desses jogos. Observar essa dinâmica nas próprias operações e processos mentais pode proporcionar uma atividade mais lucrativa, eficiente e em sintonia com outros aspectos da vida. Aprendamos com os pombos.

O Desconhecido

Em negociações, experiência, conhecimento, informação e educação podem reduzir a quantidade de riscos desconhecidos, mas nunca eliminá-la totalmente. Atenção nas coisas que não sabe que não sabe é valioso. Simplificando; não ache que sabe tudo. E como analisar riscos que nem mesmo sabemos que existem? Não é possível. Mas é possível controlar as consequências de riscos desconhecidos. Não se pode perder mais do que se investiu. Diferente de muitas atividades que envolvem risco, o investidor pode controlar sua perda máxima, ou seja: quanto está disposto a perder. O piloto de asa delta que também lida com risco não tem esse privilégio, uma vez a 3000 mil pés de altitude; não há “stop”. Essa é uma vantagem a ser explorada pelo investidor sagaz.

O hábito de deixar margens de erro para o desconhecido pode minimizar esse tipo de risco. E se tornar competente nas formas de fazer isso é essencial, sendo uma das principais atividades de um investidor.

Deixar “uma gordura” para se prevenir de erros e elementos desconhecidos pode ser uma tática valiosa (se antagoniza com a ganância; que não quer deixar margens de segurança. A ganância impele a apostar até a última ficha. É preciso refrear essa tendência, sendo um passo importante identificar essa “voz” dentro de si, quando ela entre em cena e o que tende a despertá-la).

Todos os Traders para os quais fiz algumas perguntas, confirmam que já encontraram, ao menos em algum momento “um conjunto de vozes internas” que obedecem uma dinâmica mais ou menos assim: quando fazem um trade de sucesso, surge uma voz que diz; 

-“Porque não investiu uma parcela maior do capital nesse trade!?”.

Em um trade ou posição perdedora, surge outra voz;

– “Porque não investiu um capital menor nessa negociação?” ou “Porque fui entrar nesse trade?”.

Alguns traders seguem se torturando com essas vozes; outros aprendem com elas. Operar no mercado é se expor a possíveis e prováveis sensações de arrependimento constantemente. Sempre há um ativo que valorizou mais do que aquele que você investiu. Em uma perda ou possibilidade de uma; sempre se poderá comparar o resultado com não ter feito aquela negociação específica e ter o dinheiro intacto na conta; ou pior; se tivesse investido em outro ativo, ou negociado em outro momento… poderia estar no lucro agora! Essa montanha-russa de emoções é demais para quase todos. Cedo ou tarde a ganância ou o medo tomam conta e com elas os erros, com os erros os prejuízos.

É tarefa do investidor minimizar as consequências negativas; diversificando o portfólio e/ou limitando os prejuízos. Parece fácil. Não é. 

(Nesse artigo procuramos explorar um pouco da problemática das emoções nos trades e porque os investidores bem-sucedidos dão tanto valor a isso. Futuramente iremos nos aprofundar ainda mais em ferramentas para lidar com essas questões.)

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