Gestão de Risco e Cripto Ativos

O piloto de um avião tem vários instrumentos tecnológicos à disposição. Radar, sonar, termômetros, barômetros, satélites, rádio e informações sobre ventos em tempo real. Ainda assim, depois de decolar e atingir alturas impressionantes, o piloto enfrenta o desconhecido. Nos últimos anos, “muitos” aviões bem equipados caíram. O que ocorreu, e como isso se relaciona com investimentos?

Esses aviões tinham o melhor da tecnologia acumulada em séculos de desenvolvimento científico, pilotos muito bem treinados, tripulação bem treinada, seguiam rotas bem planejadas e repetidas muitas vezes. Mesmo assim, lá nas alturas, se depararam com algo que os derrubou. Assim é o mercado financeiro; a qualquer momento, mesmo quando menos se espera; algo “improvável” pode ocorrer e te liquidar. Não você, mas sua conta e seu bem-estar psicológico. Há uma grande diferença porém. No mercado é possível “parar” a qualquer momento. O investidor pode realizar seu prejuízo a qualquer tempo. Pode não sair do mercado com aquilo que gostaria, mas pode sair vivo (ainda com algum dinheiro na conta). Essa diferença é muito bem explorada por investidores e traders eficientes. Entretanto, essa analogia entre voar e negociar carrega alguns pontos importantes:

– O ar e o mercado representam o desconhecido; o risco. São maiores que nós e mais antigos. Qualquer um é insignificante frente a eles. Use o entendimento do ar e do mercado para ir com eles; não lutar contra.

– Sabemos como os ventos e o mercado se comportaram no passado, mas nunca poderemos prever com certeza o que farão no próximo segundo.

– O mercado e o ar farão o que “quiserem”, independente do que é vantajoso ou não para você. Pode-se apenas aproveitar das oportunidades. Eles não sabem sobre seu currículo, sua cor de pele e seu sexo, não querem te pegar nem te presentear. Porém com habilidade, disciplina e paciência; é possível voar… e lucrar no mercado.

– No ar e no mercado, coisas “inesperadas” acontecem mais do esperamos e do que gostaríamos.

– Para voar e negociar com segurança mínima é preciso conhecer seus limites e vulnerabilidades. Não é possível cruzar um oceano com um ultraleve.

– Ganância e impaciência podem derrubar um investidor e um avião. Disciplina, inteligência e gestão emocional podem levar ao local de destino e aos lucros.

– Diferente de voar, ao negociar é possível parar quando se percebe um erro. No ar, muitas vezes, só resta torcer ou rezar.

– Torcer e rezar são péssimas estratégias para voar, negociar e gerenciar riscos.

O que é risco?

O leitor atento deve recordar que já fizemos essa pergunta em um artigo anterior… e não oferecemos resposta concreta. Não há. Voar e investir é ir em busca do risco, do desconhecido, de algo imprevisível. Porém há risco em todo lugar. Faz parte de viver, e viver é a atividade mais arriscada que existe. Não agir, muitas vezes é mais arriscado que agir. Se não arriscar, o risco vem até você. Quem não quer sair de casa para trabalhar e estudar pois tem medo da violência na rua se arrisca a ficar desempregado, ignorante e não pode escapar de violências que podem invadir sua casa a qualquer momento. Evitando um risco, outros se surgem. Talvez por isso seja tão difícil entender o risco; é subjetivo.

Como isso pode ser útil?

Caso opere no mercado, encontrará muitas situações em que terá que avaliar riscos. Quando errar, possivelmente vai perder dinheiro. Que tal treinar com uma experiência cognitiva? Te convido e pegar um pedaço de papel, um lápis e se concentrar intensamente por alguns segundos. O que tem a perder?

Experiência prática;

Imagine que tenha R$ 100.000 para gastar. O que escolheria?

1- Comprar um terreno subvalorizado que pode certamente vender daqui um mês por R$ 109.000.

2- Comprar 100.000 cripto moedas X por R$ 1 cada, pensando que existe 80% de chance de que se valorizem em um mês para 115% (situação em que as venderia) e uma chance de 20% de que não mudem de preço.

Escolheu?

Imagine que tenha comprado as cripto moedas achando que iam subir de 100.000 para 115.00. No fim do mês, estão valendo R$ 91.000. Você tem duas opções;

1- Vender agora com R$ 9.000 de prejuízo.

2- Esperar acontecimentos no mercado que devem ocorrer na próxima semana, calculando que há uma chance de 10% de que os acontecimentos sejam favoráveis e que o preço subirá e voltará para R$ 100.000. Se não, o preço cairá até R$ 89.000 e você venderá.

Qual escolhe?

Na primeira hipótese, se escolheu o terreno ao invés das cripto moedas, você está evitando o risco. Matematicamente é irracional escolher o terreno. De um lado, há um lucro garantido de R$ 9.000. De outro, há uma possibilidade de 80% de um lucro de R$ 15.000 e 20% de nada; ganho esperado de [0,8 x 15.000] – [0,2 x 0] = 12.000. É “melhor” investir na cripto moeda X.

Nesse exemplo, há uma disputa entre lucro seguro e lucro provável maior, gerando uma “aposta inteligente”, e se alguém preferiu não apostar, provavelmente o medo de perder o que tinha influenciou sua decisão. Preferiu perder uma oportunidade.

Na segunda hipótese, se decidiu esperar os acontecimentos na expectativa de que a situação melhore, você percebe o risco como algo desejável. Matematicamente, esperar os acontecimentos é irracional. O prejuízo seguro é de R$ 9.000, mas, esperando os acontecimentos, em média o prejuízo é de R$ 11.000 =  [0,9 x  11.000] – [0,1 x 0]. É “melhor” aceitar o prejuízo e vender na hora. Para evitar um prejuízo seguro, quem escolheu esperar os acontecimentos, está disposto a fazer uma “aposta pouco inteligente”, percebendo o risco como algo que pode melhorar uma situação desfavorável. O medo da perda e o desejo de sair no zero a zero colocaram-no em mais risco ainda.

O que se pode aprender disso, além do autoconhecimento gerado com as suas próprias respostas e reflexões? Existe risco em toda lugar, sempre. Evitar e procurar por ele pode aumentar ou diminuir seus lucros substancialmente. Um investidor que “segue o feeling” nas situações propostas, provavelmente ganharia bem menos do que um investidor que usa estratégia e tem capacidade de pensar antes de agir.

-Comumente, o risco é encarado com algo negativo a ser evitado. Vezes sim, vezes não.

-Risco é subjetivo. O arriscado para um, não é para outro. Depende muito dos conhecimentos e habilidades.

-Risco é difícil de avaliar. Emoções, instintos e hábitos distorcem nossa percepção.

-O investidor sagaz sabe que não pode evitar o inesperado, mas pode se preparar para suas consequências. Em vez de se perguntar o que o mercado fará, se pergunta: “O que farei se o mercado fizer X, e se fizer Y, e se fizer W? Há outras possibilidades? Se sim, o que farei se o mercado fizer Z?”

Lidando com o Risco

Podemos organizar os pensamentos, supondo que os investidores eficientes lidam com o risco usando duas ferramentas básicas;

– tem um sistema de operar e

-seguem o sistema. 

Um sistema deve levar em conta as possibilidades de conjuntos de situações e apontar para ações com expectativa estatística mais favoráveis do que desfavoráveis – ou seja; um sistema que mais acerta/ganha do que erra/perde. Esse é um bom sistema, mas isso não basta. Voar pode ser perigoso e imprevisível mesmo com o avião mais seguro que se possa achar, e seria loucura um piloto voar com uma tripulação despreparada, indisciplinada e inexperiente. Um piloto que não controla a tripulação dificilmente controlará o avião, e um investidor que não controla seus pensamentos dificilmente controlará suas ações. Assim, ter um sistema muito bom, pouco importa se o investidor não for capaz de segui-lo. Mesmo tendo um sistema, o investidor ainda tem que enfrentar uma das mais difíceis de suas responsabilidades; decidir.

Decisões, Cognição Humana e Desconhecido

Nem todas as decisões ruins levam a consequências ruins. É possível errar e se dar bem. Da mesma forma, decisões boas, nem sempre levam a consequências boas. Se a chance de ganho é de 60%, a coisa certa é apostar em ganhar, mesmo perdendo 40% das vezes. Mas, se eu não conheço as possibilidades e tomo 100 decisões ao longo de uma semana, sofrendo só um prejuízo, posso deduzir que minhas decisões são quase perfeitas! Mas como tratamos de possibilidades, 50% dessas 99 decisões podem ter sido ruins, porém sem consequências negativas. Confuso? Ótimo, melhor agora do que com o mercado se movimentando contra você e valendo dinheiro.

Exemplos de Estratégia

Entradas Parciais

Base da Estratégia; dividir o capital a ser investido em um ativo em algumas partes. Realizar “entradas” com essas quantias em momentos diferentes, de acordo com critérios estabelecidos e movimentos do mercado. Nesse ponto, as estratégias podem se dividir quanto aos critérios para novas entradas parciais.

Exemplo Concreto;

Suponhamos que escolhido o ativo, se estabeleça essa estratégia, determinando dividir o capital total em 10 partes e que se faça uma compra inicial (entrada 1) em determinado preço. Vamos analisar duas possibilidades, entre inúmeras possíveis, dessa estratégia.

Após a primeira “entrada” o preço do ativo cai. Após sinais de começar uma retomada no preço, tem-se a opção de fazer uma segunda entrada, executando assim uma forma de estratégia de “preço médio”. Caso caia ainda mais, tem-se a opção de fazer ou não entradas 3 e 4, antes do preço da primeira entrada se tornar positivo. Outro investidor pode ter como estratégia realizar a segunda entrada apenas se/quando a primeira apresentar um pequeno lucro que possibilite um “stop profit”(“limite de ganho mínimo”) de 2%. 

Movimentação do Preço (Cenário X)

    -100, 80, 90, 75, 90, 95, 100, 105, 110 e 120.

Gestão A 

Primeira entrada; 100. 

Segunda; 90. 

Terceira; 75. 

Gestão B  

Primeira entrada; 100. 

(Período sem negociações, enquanto o preço oscila, até que chegue a um lucro “stopável”)

Segunda: 105 (com a primeira entrada “stopada” em 102). 

Terceira entrada 110 (com a segunda “stopada” em 107)

Observe:

– No exemplo de Gestão A, o investidor estava perdendo 20% do capital da primeira entrada quando o preço chega a 80, perdendo 10% quando em 90 e 25% quando em 75. Quando o preço está em 75, está perdendo também em relação a segunda entrada, pois o preço está em 75 e comprou a 90.

Decide fazer a terceira entrada em 75 e depois disso o preço sobe para 90; 

-tem um “lucro” relativo a terceira entrada (pois comprou a 75 e agora está em 90).

-tem uma perde de 10% em relação a primeira entrada (pois comprou em 100 e está em 90)

-está empatado na segunda entrada, pois comprou a 90 e é justamente onde o preço se encontra.

Logo, quando o preço retorna para 100, o investidor está positivo em duas ordens (75 e 90) e empatado em 1 (comprou a 100 e o preço se encontra em 100).

Na Gestão B, quando o preço retorna a 100, o investidor está “apenas” empatado, porém se expôs menos ao risco, ganhando menos, porém se protegendo de um cenário menos favorável, como um Cenário hipotético Y; em que o preço desce para 70, 65 e não volta a subir por um “longo” tempo (ou nunca mais!).

Ainda, na Gestão B, quando o investidor faz a segunda entrada em 105, ele já está no lucro mínimo de 2 em relação a primeira posição (pois comprou em 100, agora está em 105 e ele colocou um a ordem de “stop” em 102). A terceira compra obedece à mesma dinâmica e é realizada após uma ordem de “stop profit” ser colocada acima do preço de compra da segunda entrada. Uma estratégia mais “conservadora”.

– Em um cenário alternativo em que o ativo não “sobe nunca mais”, a Gestão B mobilizou 10% de seu capital total, e a Gestão A; 30% (perda maior).

Caso o capital fosse usado integralmente e de uma só vez, ignorando gestão de risco:

-Se o preço dispara para 120 logo no início das movimentações do mercado, o investidor “deixa de ganhar”; tanto na Gestão A como na B. Deixa de ganhar 20% sobre 90% do seu capital disponível, pois entrou usando apenas 10% de seu capital e logo o lucro de 20% será sobre esse montante. Abre-se mão de ganhar, para proteger o capital; esse é o princípio da gestão de risco. Quem não respeita essa lógica, dificilmente perdurará em qualquer mercado, especialmente em um mercado tão volátil como o dos cripto ativos.

-Se o preço despenca para 60 e nunca mais retorna, ambas as estratégias se mostram eficientes para proteção do capital, pois as perdas incidem sobre 30% e 10% do capital, nas estratégias A e B respectivamente. O investidor ainda teria 70% ou 90% do capital total intacto.

Ambos os exemplos de gestão adotaram estratégias aparentemente muito similares em estruturas, mas pequenos ajustes geram diferenças consideráveis nos riscos inevitáveis e potenciais retornos. Qual é a melhor estratégia? Depois de testadas, a resposta é, claro, a que gerou mais lucro. Porém como saber antes? Provavelmente é impossível, pois ninguém demonstrou tal habilidade preditiva até agora, mesmo com toda tecnologia disponível¹.

Entretanto o ponto utilizável aqui é que ambas podem funcionar e prevenir o investidor contra inúmeros riscos. Em um cenário X, a estratégia A gerou mais lucro que a B, mas sendo o cenário um pouco diferente; os resultados também seriam. Há estratégias mais agressivas que outras e o investidor deve saber avaliarr o melhor para si em cada momento (observe que a Estratégia A é mais agressiva que a B, pois “arrisca mais”). 

[¹ Talvez por isso, até agora, as tentativas de usar aprendizado de máquinas e inteligência artificial para prever movimentos do mercado tenha se mostrado menos promissora do que esperado por muitos; os algoritmos e máquinas se ajustam demais ao passado (“Curve fitting”; “ajustamento à curva”) para “aprender” a lidar com situações novas e não demonstram a capacidade de se adaptar a circunstâncias diferentes as dos períodos analisados. Uma espécie de viés cognitivo de inteligências artificiais. “Prever” os movimentos do mercado é difícil para seres humanos e máquinas; também por isso; se proteger contra o que não se sabe é vital e representa a essência da gestão de risco.]

Essa estratégia simples, permite evitar um dos erros mais comuns de iniciantes; comprar um bom ativo, com uma parcela grande demais de seu próprio capital em apenas um momento. Comumente, ocorre que o ativo cai após a compra e não resta mais nada a fazer ao investidor além de rezar e torcer para o preço subir, pois já investiu todo seu capital e não pode fazer mais nada sobre isso… a não ser claro; sair da posição realizando o prejuízo. Como vimos; torcer e rezar são péssimas estratégias de gestão de risco.

Este é apenas um exemplo básico, com duas variações de uma estratégia entre inúmeras. Com um mínimo de estratégia de gestão de risco o investidor protege sua conta e talvez mais importante; seus estados mentais. Isso propicia um ambiente emocional favorável que lhe permite tomar outras decisões de qualidade. Certamente com uma gestão de risco particularmente boa; conseguirá proteger seu capital e otimizar os lucros. O que levará em conta para sua gestão de risco?

0 Shares:
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

You May Also Like